Lembrar Tavira
27 julho 2005
Centenário da chegada do comboio a Tavira
O ano de 1905 marcou a chegada do caminho-de-ferro a Tavira. Foi em Março desse ano que abriu à exploração pública o troço ferroviário entre Luz e Tavira.
A chegada do primeiro comboio a Tavira é referida por Luis Filipe Rosa Santos, no artigo “As vias de comunicação” inserido no livro «O Algarve – da Antiguidade aos nossos dias», nos seguintes termos: “A primeira circulação que entrou oficialmente em Tavira foi o tramway, que partiu de Portimão no dia 19 de Março de 1905, com destino a esta cidade”. Recorde-se que foi nesse mesmo ano se foi aberta a Avenida da Estação, actual Avenida Dr. Mateus Teixeira de Azevedo, para dar acesso aos comboios, pois “a estação ficava a um quilómetro e meio da cidade”. Com vista a prolongar o caminho-de-ferro até à fronteira espanhola (Vila Real de Santo António), que concluía a Linha do Sul em Abril de 1906, foi necessário construir a Ponte da Asseca, que ainda hoje é utilizada.
A importância do caminho-de-ferro no Sotavento é realçada na obra «O Algarve Oriental» de Carminda Cavaco, da seguinte maneira: “devem-se-lhe transportes regulares, rápidos, de elevada capacidade e não excessivamente caros, de pessoas e mercadorias” e continua referindo que “O movimento de mercadorias nas várias estações do Sotavento era em 1914 e 1918 já bastante volumoso. Nas expedições de grande velocidade figuravam frutas e hortaliças, peixe salpicado e mariscos e a pequena velocidade, produtos hortícolas pouco sensíveis, frutas secas, peixe salgado, conservas, óleo de peixe, além de cortiça e sal; nas recepções, cereais de pão e outros, farinhas, lenhas e carvão vegetal, adubos, azeite e diversos artigos de origem externa (metais, óleos vegetais, madeiras)”. Ao mesmo tempo, o caminho-de-ferro facilitou a “mobilidade da população, com máximos nos meses de veraneio e nos de festas e feiras importantes, nomeadamente em Outubro”.
Origem do caminho-de-ferro em Portugal
Os primeiros passos do caminho-de-ferro em Portugal foram dados em 19 de Dezembro de 1844 quando foi fundada a «Companhia das Obras Públicas de Portugal» (COPP) com o objectivo de promover os estudos para a construção do caminho-de-ferro. Passados uns meses, iniciou-se o contracto entre o Governo e COPP para melhoramento de diversas estradas e construção de um caminho-de-ferro desde as margens do Tejo até à fronteira de Espanha, mas no ano seguinte aquela empresa suspendeu os seus trabalhos. Apenas seis meses depois, foi apresentado o programa para a construção de um caminho-de-ferro de Lisboa à fronteira de Espanha.
Um grupo de capitalistas ingleses, em 1852, constituiu, em Londres, a «Companhia Central Peninsular dos Caminhos-de-Ferro de Portugal» (CCPCFP) e apresentou uma proposta de construção daquelas vias e, ainda nesse ano, foi assinado o termo de concessão provisória para a construção efectiva das vias de Lisboa a Santarém e à fronteira. A primeira viagem de comboio, em Portugal, realiza-se em 30 de Outubro de 1856, com a abertura à exploração pública do troço entre Lisboa e Carregado.
Algarve e Linha do Sul
Em Fevereiro de 1855, um Decreto aprovou os Estatutos da Companhia Nacional dos Caminhos-de-Ferro ao Sul do Tejo (CNCFST) e os primeiros troços, na Linha do Sul, abriram à exploração pública, seis anos depois (Barreiro - Vendas Novas e Pinhal Novo – Setúbal).
Apenas em Julho de 1875 foi publicado um Decreto ordenando a construção do Caminho-de-Ferro do Algarve (CFAlgarve) por conta do Governo e, seis meses depois, o Governo abriu concurso para a construção de várias linhas, entre elas a do Algarve. Em Maio de 1878, uma Lei autorizou o Governo a adjudicar, em hasta pública, a construção e exploração do CFAlgarve e, três meses passados, um Decreto abriu o concurso para a construção e exploração do CFAlgarve. A partir daí, as datas referência, na abertura dos vários troços, da Linha do Sul foram:
3 de Junho de 1888 - Casével - Amoreiras.
1 e Julho de 1889 - Amoreiras – Faro.
1 de Maio de 1904 - Faro - Olhão.
1 de Setembro de 1904 - Olhão - Fuzeta.
4 de Fevereiro de 1905 - Fuzeta - Luz.
10 de Março de 1905 - Luz - Tavira.
14 de Abril de 1906 - Tavira - Vila Real de Santo António. Conclusão da Linha do Sul.
A ligação a partir de Faro levou 16 anos para chegar a Tavira, “período em que os luzenses aproveitam para levar à capital algarvia os seus primores que dali seguem para Lisboa”, nas palavras de Arnaldo Anica em «Tavira e o Seu Termo». Por sua vez, Luis Santos, no já citado artigo “As vias de comunicação” refere que, no Sotavento, “apenas Faro manteve o traçado primitivo. Nas outras localidades as estações acabaram por ser construídas fora de mão. A estação de Tavira ficava então a um quilómetro e meio da cidade e a de Olhão no limite da povoação”, e acrescenta que a inauguração do troço até Olhão foi recebida “com a presença de grande multidão que não resistiu à curiosidade e afluiu aos limites da vila para apreciar o comboio”.
Texto publicado em Março de 2005, no jornal «Algarve Informação».
26 julho 2005
A Pesca do Atum nas Armações de Tavira
Com vista a preservar a memória de uma actividade que foi fundamental no Algarve do século XX e homenagear o “pessoal que trabalhou nas quatro armações de Tavira”, Fausto Costa escreveu «A Pesca do Atum nas Armações da Costa Algarvia». Este trabalho aborda a vida e costumes dos pescadores da pesca do atum, nomeadamente nas armações de Tavira (Abóbora, Barril, Livramento e Medo das Cascas), assim como de um enquadramento histórico desde a antiguidade até ao fim das armações, nos anos sessenta do século XX. O estudo, em que o principal sujeito é o atum, foi motivado, segundo o autor, por “sentir profundamente o desaparecimento destas artes” e como salienta, no final, para “melhor lembrar aquela vida no arraial, a alegria dos copejos, a algazarra da distribuição do peixe, enfim o pulsar da armação”. A obra está dividida em três partes. Na primeira, que caracteriza o atum, tratam-se as várias espécies, aspectos da vida dos atuns (características biológicas, influência do meio ambiente e as movimentações migratórias) e o papel do atum no regime alimentar. Uma segunda parte do livro contém notas históricas, desde a antiguidade até ao colapso das armações, onde se expõem várias interrogações sobre as principais causas do seu desaparecimento. Depois desta fase preliminar, a parte final do livro é dedicada às “Armações da Costa de Tavira” e nela se aborda, em diferentes capítulos, o arraial (vida local, companha, preparação da armação e matrícula), a armação (a deita e a estrutura), a actividade piscatória (em terra e no mar), a pesca (as movimentações do atum e o copejo), a leva e os trabalhos finais.
Num misto de História e Estudo Antropológico, este trabalho inclui descrições técnicas, que ajudam a compreender a complexidade da pesca do atum e a dureza da vida dos pescadores.
Com o auxílio de esquemas, figuras e fotografias (infelizmente algumas não são da melhor qualidade, como o autor reconhece e lamenta na sua nota prévia), são apresentadas as estruturas das armações. Mostram-se exemplos da organização do pessoal, os diversos tipos de embarcações (rebocador, barcas, calões, lanchas, canoas, botes), posicionamento dos barcos e materiais utilizados (ferros, cabos, redes).
Justificando o antigo interesse dos povos pelos atuns, para capa do livro foi escolhida uma foto de um pormenor de mosaicos das ruínas de Milreu onde se podem ver peixes com semelhanças com atuns.
Num total de 191 páginas editadas pela «Editorial Bizâncio» e com apoio da Secretaria de Estado das Pescas, Governo Civil de Faro, Câmara Municipal de Tavira, Comissão de Coordenação da Região do Algarve e Clube Náutico de Tavira, esta obra serve de grande recordação para os tavirenses.
Neve cobriu Tavira em 1954
O mês de Fevereiro de 1954, está a passar meio século, começou com uma vaga de frio por toda a Europa (os parisienses não sofriam temperaturas tão baixas desde 1895, em Itália, centenas de pequenas aldeias ficaram isoladas, em Espanha um frio intenso assolou o país). Toda a primeira semana de Fevereiro desse ano foi de frio e neve. Grandes nevões e espessas camadas de gelo interrompem a circulação terrestre e fluvial em vários países.
Por cá, noticiava o Diário de Notícias (DN) de dia 1/2/54 (segunda-feira) que "forte ventania pôs em risco barco de pesca em Olhão". No dia seguinte, num artigo intitulado: "Grande nevão sobre Portugal" referiam-se vários locais do país onde se verificara o acontecimento. Neste dia, a única referência ao Algarve, é Aljezur, onde em relato do dia 1/2/54, se escrevia: "Hoje, de manhã, a população foi surpreendida, com queda de flocos de neve, fenómeno que nunca se verificara nesta região".
No jornal do dia seguinte, voltam as referências ao "nevão sobre Portugal". O que era pouco vulgar foi que em Lisboa caiu neve durante algumas horas, assim como no sul (Almada, Setúbal, entre outras localidades). Escrevia-se ainda que "no Algarve a neve fez concorrência às amendoeiras em flor", que "não há memória de um nevão assim no Algarve" e que "entre gente idosa da terra não se viu nada semelhante ao que agora se presenciou e o assunto é contado como estranho fenómeno nestas paragens".
Neve cobre o Algarve
O Algarve coberto de neve só era conhecido pela «Lenda das Amendoeiras em flor». Segundo a lenda, um rei mouro teria mandado plantar milhares de amendoeiras para uma princesa nórdica pela qual se tinha apaixonado e que morria de saudades das montanhas cobertas de neve do seu país. Um dia, numa manhã de Fevereiro, o rei levou-a à janela para lhe mostrar o tapete branco que cobria a paisagem: as belas amendoeiras em flor. E viveram felizes para sempre.
Neve natural, era conhecida apenas nos pontos mais elevados da Serra de Monchique (Foia - 902 metros), onde podem cair pequenas quantidades de neve, de vez em quando. Mas, por estes dias, o Algarve ficou coberto de branco. São citados locais algarvios onde nevou, como: Armação de Pêra, Portimão, Tunes, Porches, Alcantarilha, Bensafrim, Odeceixe.
Temperaturas do ar
Consultando o «Anuário Estatístico de 1954», relativo ao clima, constata-se que as temperaturas negativas assolaram o Continente na primeira semana de Fevereiro, atingindo-se os valores mais baixos de temperatura do ano, em vários pontos do País. No Sul, como a temperatura mais baixa, há registos de 4 graus negativos em Campo Maior (1 de Fevereiro) e no dia 5 o termómetro marcou 3,6 graus negativos em Évora e 1,1 negativos em Lisboa. Também no observatório da Praia da Rocha se registaram os valores mais baixos do ano.
Note-se que, no sul, as temperaturas mínimas raramente descem tanto. Nos mesmos dias do ano anterior, tinham rondado os dez graus positivos.
Também nevou em Tavira
No dia 2/2/54, nevava em Tavira. A alguns tavirenses, os pais ou os avós já contaram a ocorrência, mas outros nem faziam ideia. Nesta altura, grande parte dos actuais residentes não tinha nascido (perto de sessenta por cento da população) ou era ainda criança, pois a população do concelho com idade inferior a 65 anos é de 76,4 por cento, de acordo com o último Censos da população portuguesa.
A notícia do espectáculo que deslumbrou a população, pela raridade da situação, foi publicada no DN apenas a 4/2/54. Em nota de primeira página, escrevia-se, em prosa datada de dia 3: "Desde as 18 horas de ontem, até às 23 horas nevou abundantemente sobre esta cidade e em todo o concelho, do que não há memória nesta região. Em alguns pontos, a neve atingiu mais de 30 centímetros de altura e na freguesia de Cachopo atingiu cerca de 60 centímetros. Nalgumas estradas esteve interrompido o trânsito, não se fazendo por isso as carreiras ordinárias de camioneta. Hoje, normalizou um pouco, mas apesar de o sol ter estado muito quente, esta noite, a maior parte dos telhados ainda se apresentavam cobertos de neve. A parte mais atingida do concelho foi Cachopo e Santa Catarina. Deste último lugar, foram chamados os bombeiros desta cidade, a fim de desobstruírem os telhados e varandas, visto recear-se que abatessem. No campo, todas as árvores parecem amendoeiras em flor".
«Povo Algarvio» - Fevereiro de 54
A queda de neve em Tavira, em 2 de Fevereiro de 1954, foi notícia do «Povo Algarvio», à data, o único jornal tavirense. Em relação ao nevão, o referido semanário, na edição de dia 7, escrevia, sob o título ”No Algarve – caiu neve”: “No passado dia 2, dia de Santa Maria, caiu neve intensamente durante algumas horas sobre esta região.
A cidade de Tavira ficou coberta de neve, o que lhe dava um aspecto surpreendente. Fenómeno jamais visto nestas paragens, onde o sol acaricia e doira os frutos. De entre os tavirenses vivos nenhum tinha assistido ainda a um espectáculo desta natureza. Na manhã de 3, o povo subiu às diversas colinas da cidade para apreciar o panorama da neve que a cobria toda, bem como os campos vizinhos e a Serra de Santa Maria. Um frio glacial tem-se feito sentir desde que começou o degelo. Muitos telhados e locais há, onde, à hora do nosso jornal entrar na máquina, ainda existia neve. Muito embora o seu aspecto seja belo, as baixas temperaturas têm incomodado os algarvios, pouco habituados a elas. A floração das amendoeiras ainda não atingiu o ponto culminante, talvez por influência do frio extraordinário”.
Na edição da semana seguinte, para que os tavirenses ausentes fizessem ideia do que foi o nevão que caiu na cidade no dia 2, o mesmo jornal publicava duas vistas da cidade com neve e bonecos de neve que a rapaziada fez (instantâneos colhidos na manhã de dia 3). Isto comprova que houve pontos da cidade onde a camada de neve foi bastante espessa.
A neve de 2/2/54 noutros locais do Algarve
Ainda segundo o DN, em Olhão interromperam-se a luz eléctrica e as comunicações telefónicas. Durante toda a tarde, até cerca das 21 horas, nevou abundantemente. O frio era intenso e a ventania tinha rajadas fortes. Há referência a São Brás, onde durante dez horas consecutivas caiu neve, que nas ruas atingiu 30 centímetros e em alguns sítios um metro. Em Faro, durante parte do dia e da noite caiu forte nevão, facto que despertou curiosidade, pois a maior parte da população nunca vira neve. Em muitos outros locais do Algarve são referidos: em Lagos "caiu neve com abundância"; na Fuzeta "não há memória de espectáculo tão deslumbrante"; em Silves "caiu neve sobre esta cidade e arredores, durante toda a tarde proporcionando um espectáculo de extraordinária beleza". Nota-se ainda Aljezur, São Bartolomeu de Messines e Estoi (onde o termómetro marcou zero graus).
Texto publicado em Janeiro de 2004, no jornal «Algarve Informação».